sábado, 25 de fevereiro de 2012

ESTATUTO DE ERVÁLIA


(Baseado no poema “A Casa”, de Carlos Drummond de Andrade)


Há de dar para o Santo Cristo,
de poder a poder.
Na praça, a matriz,
de poder a poder.
Ter vista para o Cruzeiro
no alto do Santo Antônio,
de poder a poder.
Casas e árvores
comandando a paisagem.
Há de ter muitos espaços
de portas sempre abertas
ao olho e pisar do povo.
Poeira e barro da estrada
nas salas de visitas.
Rio Turvão nos fundos dos quintais
preservando os segredos
da infância e os cadáveres
de família, sepultados.
Terá um verde pasto
com o Herval escrito
no letreiro conservado,
sintetizando o sonho
do novo e do antigo
afinal reconciliados
nas distâncias encurtadas:
fogão de lenha e internet.
Cidade de muitas lembranças
(“e renda de picumã nos barrotes”),
lavouras em curvas de nível
e indústrias nascendo do esterco.
Ervália erguida
no trabalho coletivo, flores
aliviando o suor
e o cansaço dos homens,
recompensados da sede,
da fome e do frio
e do convívio com os mortos.
E as crianças que brincam
resgatando o passado
no presente infinito.
E que todas as pessoas esperem
o dia seguinte
e a Biquinha
alimente a sede
dos projetos futuros.
Ervália há de ser tudo isso,
mais o que sonhamos,
mais os poemas dormidos,
mais a água da chuva nos vidros,
mais os desenhos das nuvens,
mais tudo o que brota
deste solo vermelho e
um sol filtrado através das folhas
de bananeiras e das cercas de arame farpado.
E que todos os ervalenses
escrevam a história de uma terra
que seja a casa de todos,
do contrário não será nunca
a nossa cidade que somos
e que amamos ser,
na distância do encontro
e no silêncio (Careço) das almas.

Milton Rezende