quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013 Edição de dezembro do Eco - a última do ano! Em sua última edição do ano, o Eco Performances Poéticas traz na programação os poetas Renata de Aragão Lopes, com seu recém-lançado livro Doce de lira, poesia à mesa, Milton Rezende, lançando O jardim simultâneo e Rafael Moyses, acompanhado dos fotopoemas de @Julieta de Vênus. A noite contará ainda com a ilustre participação do rapper PMC, vindo diretamente de São Paulo, o retorno do emblemático movimento poético Abre Alas, o lançamento da Um Conto #19 e exibição de videopoemas de Otávio Campos e Danilo Lovisi A trilha sonora fica por conta do DJ convidado José Alexandre Abramo e a lista do microfone aberto aguarda sua inscrição. Ah, e a entrada é grátis, como sempre, Edição de dezembro do Eco Performances Poéticas Sexta-feira, 13/12, a partir das 19 horas no Museu de Arte Murilo Mendes (Rua Benjamin Constant, 190. Centro) Entrada grátis.

sábado, 7 de dezembro de 2013

GÊNESE DE UM NOME E DE UM LIVRO

POR OUTRO SILVA


Há momentos que eu preciso ser outro, por não me comportar em mim. Vou de uma a outra janela tentando escapar do meu asilo em mim, numa agitação confusa e contida a ferro e fogo. O passado avança e toca a campainha da casa mal-assombrada que eu cons­truí para abrigar a minha suposta estabilidade emocional. Ninguém sabe quem sou, de onde eu venho e o que eu represento. Quando penso que tudo caminha normal vem a nostalgia para me lembrar daquilo que eu não fui. Iguarias que eu não comi agora me fazem falta quando o apetite avança como se fosse uma doença. Carnes cristalizadas em frascos de alta resolução nos escaninhos da me­mória. Nunca podendo ser eu mesmo busquei coadjuvantes para coabitar o abismo das lembranças que não puderam ser. Como uma caixinha de música da bailarina exausta de dançar no descompas­so da exposição demonstrativa na vitrine coberta de pó e olhares desatentos. Digo alguma coisa em voz alta e não reconheço essa voz... Olho-me no espelho e pareço com outro ser, coberto de ma­quiagem. Transfiguro-me para me suportar e sobreviver. Hoje, por exemplo, fui a diversas repartições e em cada uma delas eu era o desdobramento da necessidade de ser e de estar ali, representando algo além e muito aquém de mim, mas eu nunca soube exatamente porque estou fazendo assim. Havia um tanque na praça da minha infância e um peixe nadava ali e era eu refletido no espelho das águas antes de acontecer o surto de identidade. Decidi capturar o peixe para ver como que ele era por dentro, mas, nauseado, joguei­-me fora na sarjeta. Então fiquei bastante tempo comendo as algas imaginárias que não eram, propriamente, a dieta de um ser huma­no. Cansado de ser o que não se era nem poderia querer, saltei de galho em galho querendo me perder entre os tufos de vegetação encoberta, para quem sabe renascer num espasmo de prazer. Virei ave maldita e recolhia gravetos entre os destroços de um idealismo absurdo que nunca aconteceu. Afastei-me da multidão com a mes­ma ânsia e esperança com que entrara, percebendo que o coletivo não passava de um ego escancarado forçando a entrada em portas afinal inexistentes. Herdei a sensibilidade agonizante dos poetas e levei aquilo adiante como se fosse uma bandeira e um estandarte do impossível. Nesse intervalo perdi ou deixar passar toda e qual­quer possibilidade de compartilhar um abrigo de almas que sacias­sem a fome do momento, e que era tudo o que podíamos aspirar em nossa condição. Danei então a escrever textos como se fossem ensaios de um aprendizado que nunca se deu. Acrescentei alguns pensamentos elaborados na juventude sem aguardar a prudente e necessária decantação do tempo. Depois de um período de radica­lismos e meias-verdades como todas as que se propagam por aí até hoje, percebi a contradição e resolvi deixar de existir e entrei assim numa espécie de falsidade ideológica de quem não se reconhece em nada. Mas admiro, ainda hoje, a luta e a batalha dos nossos filhos empunhando bandeiras que um dia eu segurei por uma beirada, naquela ponta de pano das velas sem mastro eriçadas pelo mar bravio. Hoje sou outro e o mesmo Silva de sempre. Um Outro Silva que republica agora o que sonhou e que não renega o sonho, apesar dos pesadelos. Todos os dias, do cais do porto, partem caravelas num mar sem fim, dentro de cada um de nós e dentro de mim que, afinal, nunca existi!

* extraído do livro "Textos e Ensaios"

domingo, 1 de dezembro de 2013



“O Jardim Simultâneo”, regado e cultivado pela Editora Penalux, é uma obra poética densa que transmite uma multiplicidade ímpar de sentimentos. Seu autor, Milton Rezende, nos entrega uma vasta abordagem de perfumes, sendo cada poesia, um aspecto fragrante e inebriante do amor pujante e viçoso que há na sua alma. Há flores de todo o tipo. E cada um aborda com seriedade os cursos pelos quais o coração e os olhos se transpõem. Cada linha é um arroubo de encanto, uma coleta da alma – em que num átimo –, nos faz entrever com mais atenção as volições que habitam nas redobras e revoltas de cada um. E isso significa nos colocar à frente de românticas aspirações e rigorosas proposições, vislumbres fieis de um olhar crítico e argucioso. Milton desbota as cores da poesia com excelência, permitindo a cada um conhecer nuances singulares de sua poesia astuta, íntegra, fiel e inteligente; reflexos de sua maturidade, não apenas poética, mas humana.
Seus poemas transfiguram com maestria a transitoriedade das, por vezes, inenarráveis sensações que se enviesam dentro do ser e arrebatam o peito em inúmeros tons. Reflexões ora mordazes, ora sensíveis, colhidas na sutil observação de um mundo desvanecido e nas vivências acalentadas por pegadas firmes de sua alma coloquial. O fato é que ele faz flores nascerem nos solos mais rígidos.
Bem, “O Jardim Simultâneo” é uma obra adversa ao comum, não somente pela sua verdade dita por avessos e diferentes rotas, mas pela maneira enigmática de agregar doce e amargo, ao mesmo tempo. Ocorre que é difícil destilar o néctar de seu imaginativo e abstrato estilo. Nada que eu escreva será capaz de se aproximar do proposto pelo livro. Só lendo para sentir os variados rumos de cada composição. A leitura e a sensação, do início ao fim, são majestosamente únicas. Recomendo.



domingo, 24 de novembro de 2013

Uma leitura atenta e opiniões pertinentes sobre dois dos meus livros publicados e enviados ao crítico e poeta W.J.Solha.

Milton, gostei muito dos poemas desses dois livros que me enviou. Eles me evocaram constantemente dois autores geniais: Baudelaire e Augusto dos Anjos, embora sejam totalmente pessoais. A presença constante da chuva fica pro francês, que chega a ver nela as barras de uma vasta prisão, onde

l'Espoir,
Vaincu, pleure, et l'Angoisse atroce, despotique,
Sur mon crâne incliné plante son drapeau noir


Em Passagem das Horas você diz:

Fica de nós este resíduo
do que ainda não fomos.

Isso, que já é muito bom, fica mais preciso em SER:

O que sou é este vazio em mim.

Trágico & Cômico é contundente:

Encenei para mim mesmo uma tragicomédia
na qual sou o único personagem,
e o teatro em que represento
não é frequentado pelos homens.  

O tema é reiterado, com mais força ainda, em EX-100:

Sinto que estou exposto inteiro
para uma vitrine frequentada por cegos.

Em Ciclo, a desilusão é total:

A vida (...) hipnotiza a todos 
para que não vejam seus truques falhos.

Se há muita chuva em seus versos, os melhores deles, pareceu-me, estão em Aguaceiro:

A chuva cessou de chover
e agora eu posso
tirar as mãos dos bolsos
e atravessar a rua.

Mas já não tenho mãos
e nem tampouco posso
atravessar esta rua, pois
a água levou-me as pernas.

E a rua, embora chovida, está seca.
Eu fui a chuva que choveu e ninguém viu.

Os poemas que me pareceram mais completos e perfeitos:
Auto-retrato II, Duplicidade , o kafkiano Uma Vítima sem defesa e Avaliação Noturna

De tudo me fica a impressão de um poeta. De um autor que sabe exatamente o que é Poesia. 


--
WJ Solha


domingo, 10 de novembro de 2013


A Máquina do Mundo
Carlos Drummond de Andrade


E como eu palmilhasse vagamente
uma estrada de Minas, pedregosa,
e no fecho da tarde um sino rouco
se misturasse ao som de meus sapatos
que era pausado e seco; e aves pairassem
no céu de chumbo, e suas formas pretas
lentamente se fossem diluindo
na escuridão maior, vinda dos montes
e de meu próprio ser desenganado,
a máquina do mundo se entreabriu
para quem de a romper já se esquivava
e só de o ter pensado se carpia.
Abriu-se majestosa e circunspecta,
sem emitir um som que fosse impuro
nem um clarão maior que o tolerável
pelas pupilas gastas na inspeção
contínua e dolorosa do deserto,
e pela mente exausta de mentar
toda uma realidade que transcende
a própria imagem sua debuxada
no rosto do mistério, nos abismos.
Abriu-se em calma pura, e convidando
quantos sentidos e intuições restavam
a quem de os ter usado os já perdera
e nem desejaria recobrá-los,
se em vão e para sempre repetimos
os mesmos sem roteiro tristes périplos,
convidando-os a todos, em coorte,
a se aplicarem sobre o pasto inédito
da natureza mítica das coisas,
assim me disse, embora voz alguma
ou sopro ou eco ou simples percussão
atestasse que alguém, sobre a montanha,
a outro alguém, noturno e miserável,
em colóquio se estava dirigindo:
"O que procuraste em ti ou fora de
teu ser restrito e nunca se mostrou,
mesmo afetando dar-se ou se rendendo,
e a cada instante mais se retraindo,
olha, repara, ausculta: essa riqueza
sobrante a toda pérola, essa ciência
sublime e formidável, mas hermética,
essa total explicação da vida,
esse nexo primeiro e singular,
que nem concebes mais, pois tão esquivo
se revelou ante a pesquisa ardente
em que te consumiste... vê, contempla,
abre teu peito para agasalhá-lo.”
As mais soberbas pontes e edifícios,
o que nas oficinas se elabora,
o que pensado foi e logo atinge
distância superior ao pensamento,
os recursos da terra dominados,
e as paixões e os impulsos e os tormentos
e tudo que define o ser terrestre
ou se prolonga até nos animais
e chega às plantas para se embeber
no sono rancoroso dos minérios,
dá volta ao mundo e torna a se engolfar,
na estranha ordem geométrica de tudo,
e o absurdo original e seus enigmas,
suas verdades altas mais que todos
monumentos erguidos à verdade:
e a memória dos deuses, e o solene
sentimento de morte, que floresce
no caule da existência mais gloriosa,
tudo se apresentou nesse relance
e me chamou para seu reino augusto,
afinal submetido à vista humana.
Mas, como eu relutasse em responder
a tal apelo assim maravilhoso,
pois a fé se abrandara, e mesmo o anseio,
a esperança mais mínima — esse anelo
de ver desvanecida a treva espessa
que entre os raios do sol inda se filtra;
como defuntas crenças convocadas
presto e fremente não se produzissem
a de novo tingir a neutra face
que vou pelos caminhos demonstrando,
e como se outro ser, não mais aquele
habitante de mim há tantos anos,
passasse a comandar minha vontade
que, já de si volúvel, se cerrava
semelhante a essas flores reticentes
em si mesmas abertas e fechadas;
como se um dom tardio já não fora
apetecível, antes despiciendo,
baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousara
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida,
se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.


Este poema foi escolhido como o melhor poema brasileiro de todos os tempos por um grupo significativo de escritores e críticos, a pedido do caderno “
MAIS” (edição de 02-01-2000), publicado aos domingos pelo jornal “Folha de São Paulo”.
 Publicado originalmente no livro “Claro Enigma”, o texto acima foi extraído do livro “Nova Reunião”, José Olympio Editora – Rio de Janeiro, 1985, pág. 300


sábado, 2 de novembro de 2013

O VELÓRIO
“Dêem-me coroas de pano.
Dêem-me as flores de roxo pano,
Angustiosas flores de pano,
Enormes coroas maciças,
Como enormes salva-vidas,
Com fitas negras pendentes”
(Pedro Nava)

Eu estava dormindo quando o caixão chegou.
Acordei com luzes acesas, ruídos, vozes abafadas.
Levantei para ir ao banheiro e fui informado do velório.

A casa estava cheia de gente conhecida e estranhos.
Na sala o corpo já estava sendo velado e havia velas.
Um cheiro de morte impregnava o espaço intangível.

O defunto estava com as mãos cruzadas sobre o peito.
Flores cobriam todo seu corpo e o rosto estava lívido.
Os braços eram demasiados magros e cadavéricos.

Encostada numa parede jazia uma coroa roxa de latão
e a tampa enorme esperava o momento exato de cobrir
toda a vivência acumulada naquela vida que já não existia.

Nos próximos dias estávamos proibidos de ligar a televisão,
de ouvir música no velho rádio de madeira e a casa fechada.
Sobre o bolso da camisa foi costurada uma tarja de pano preto.

Milton Rezende, Uma Escada que Deságua no Silêncio, 2009.


sábado, 26 de outubro de 2013

Promoção! ‘O acaso das manhãs’ e ‘Areia (À fragmentação da pedra)’, de Milton Rezende

“Milton Carlos Rezende estreia de forma brilhante com O Acaso das Manhãs. São poemas reflexivos de alto nível, nos quais o poeta investiga (com ironia) o cotidiano e os problemas do homem. Nessas reflexões (em que se incluem os poemas sobre o poema), o poeta jamais perde a consciência da precariedade da existência humana”.

A visita

De súbito a chuva cessou.
Ponho-me a escrever sobre ti,
criatura sem carne
que me visita.

Não sei de onde vens,
mas sempre chegas
nas horas mais extenuantes
de minha fuga.

Fecho portas e janelas
para não te permitir
livre acesso sobre mim,
que de cansado me basto.

Mas tu me vens sem ser chamada
e mesmo sem chegar em forma clara,
sei que és minha consciência,
e te incorporo.


“Em Areia (À Fragmentação da Pedra), o poeta Milton Carlos Rezende prossegue em seu estilo de uma forma contundente e reflexiva. São poemas que buscam resgatar, ao menos em parte, os estilhaços do ser e re/compor a unidade (aparente) da pedra. Mas o poeta sabe que a perfeita junção dos elementos nunca será possível, e apenas tenta torná-la plausível em meio ao seu deserto de areia”.

Atômico

Nossos filhos nascem cegos
pela poeira do nosso tempo.
Nós ainda enxergamos
porque já entendemos o mundo
a partir da poeira que há nele,
e que não nos incomoda muito.

Sobre o autor
Milton Rezende nasceu em Ervália (MG), em setembro de 1962. Viveu grande parte da vida em Juiz de Fora (MG), mas atualmente reside em Varginha (MG). Escreve em prosa e poesia e a sua obra se divide entre inéditos e publicados. Entre estas últimas encontram-se: “O Acaso das Manhãs” (Edicon, 1986), “Areia (À Fragmentação da Pedra)” (Scortecci, 1989), “De São Sebastião dos Aflitos a Ervália – Uma Introdução” (Templo, 2006), “Uma Escada que Deságua no Silêncio” (Multifoco, 2009), “A Sentinela em Fuga e Outras Ausências” (Multifoco, 2011), “Inventário de Sombras” (Multifoco, 2012), "Textos e Ensaios” (Multifoco, 2012) e "O Jardim Simultâneo" (Penalux, 2013). Possui inéditos os livros: “Mais uma Xícara de Café” e “A Magia e a Arte dos Cemitérios”. 

Onde comprar
Exemplares dos seus livros podem ser adquiridos diretamente com o autor através do e-mail milton.rezende@yahoo.com.br (depósito ou transferência na conta do Banco do Brasil, Ag. 032-9, C/C 11.807-9) ou através do site da Multifoco Editora e Editora Penalux.

Preço promocional: R$ 14,90 cada exemplar (com frete incluso) ou R$ 27,90 os dois exemplares (com frete incluso)

* Promoção válida até o dia 13 de dezembro de 2013.

sábado, 14 de setembro de 2013



INTRODUÇÃO
Por Carlos Águia

            Nunca tive (e nem acredito que se possa ter) a noção exata do alcance da poesia. Tempos atrás eu lia e escrevia críticas de romances, contos, crônicas e aquilo tudo fazia algum sentido para mim. Mas quando se tratava da apreciação de poemas a coisa se complicava bastante e o esforço parecia ter sido sempre em vão. A poesia escapulia. E nem era tanto pela “imperícia” de quem se debruçava sobre ela num esforço de decifração. É que ela própria, por natureza, se esquivava de qualquer análise que não fosse a comunhão tácita e silenciosa com o que ela tinha pretendido dizer.
            Licenciei-me do cargo de professor por problemas de saúde e fui para um sítio afastado, na zona rural à beira de uma rodovia asfaltada cujo entroncamento me remetia ao passado de minha juventude já distante.
            Compreendi, silenciosamente, que éramos todos portadores da mesma nostalgia complacente do passado e que nos enchíamos de lembranças do que nunca tinha havido e percorríamos os fatos com uma grande carga de mentira e saudade eloqüente, como se fôssemos (ou tivéssemos sido) algo além de nada e tivéssemos tido o nosso papel num cenário desaparecido.
            Protagonistas de uma realidade sem causa, mas tida como importante enquanto nos fazíamos viver. Pensava nessas coisas enquanto olhava as árvores e a sombra delas e a minha se fundiam no espelho das águas. Um convite recebido nas vésperas me perturbava e eu não sabia o que fazer: não me sentia em condições de atendê-lo, mas custava-me dizer que não podia, em se tratando da poesia do meu apreciado amigo. A editora que estava publicando as suas obras pediu-me para escrever a introdução ao seu volume de versos.
            Trata-se de uma breve apreciação de toda a sua produção até o momento, distribuída por vários livros, entre inéditos e publicados em pequenas tiragens. Arrisco a dizer (para espanto talvez de quem esteja lendo) que o Milton Rezende é um autor romântico, no sentido mais abrangente do termo e desvinculado, logicamente, dos preceitos da escola romântica vigente no século XIX.
            Ele é um escritor romântico na essência e o é também na vida, pois pude conhecê-lo e conviver com ele por muitos anos – na verdade, desde que me entendo por gente. Portanto, eu peço que considerem ao menos a minha opinião, antes de virem me contrapor recitando alguns duros poemas do autor em questão e destacando justamente a revolta subjacente dos seus versos e a contemporaneidade dos temas do seu discurso.
            Acontece que a amargura, a desilusão e a ironia presentes na obra do autor são na verdade características de toda a grande poesia que se faz desde sempre, mas há um humor secreto na literatura do Milton, que lhe é bastante peculiar, e que nos faz rir e chorar enquanto somos tocados e emocionados pela beleza e profundidade dos seus versos.
            Neste poeta eu percebo que a sensibilidade e a simplicidade são as chaves que permitem penetrar no seu universo particular e único: um jeito diferente, especial e todo próprio de captar a realidade e devolvê-la depois na forma de uma interpretação bastante pessoal e diversa do senso comum, mas que complementa a realidade com um elemento novo que geralmente nos escapa em nossa percepção do cotidiano.
            Faço questão de não citar nenhum de seus versos neste pequeno estudo, justamente para não induzir e nem tentar demonstrar aos leitores a justeza das minhas colocações. Cabe a quem interessar, que busquem no conjunto dessa obra, elementos do que eu digo ou mesmo a negação deles, pois nada substituirá a leitura dos poemas.
            Além do mais eu percebo a mesma coisa, essas mesmas características, também na sua prosa. No seu livro “A Magia e a Arte dos Cemitérios”, por exemplo, eu sinto a mesma sensação que tenho ao ler os seus poemas, como se fossem desdobramentos de um mesmo espírito inquieto e perdido, no que isso significa em termos de procura inócua e tentativas de desvendamento, à sombra do grande mistério que é a vida, a morte e todos os enigmas do amor. Eu soube, inclusive, que a idéia do autor é poder concluir uma trilogia iniciada com a publicação do livro sobre a sua terra natal, “De São Sebastião dos Aflitos a Ervália – Uma Introdução”. Parece que o projeto do terceiro e último volume dessa “Trilogia das Afinidades” teria algo a ver com a música e com o rock especificamente. O mesmo raciocínio se aplica também ao inédito “Mais uma Xícara de Café”, e aos artigos de “Textos e Ensaios”, publicados recentemente no formato livro.
            Em “O Acaso das Manhãs”, seu livro de estréia, publicado em 1986, o autor contava então 24 anos e o seu caminho já estava delineado. A seqüência do seu fazer poético só fez confirmar as tendências e seu estilo bastante característico. Em 1989 aparecia “Areia (À Fragmentação da Pedra)”, trazendo um certo aprofundamento de suas temáticas básicas. O terceiro livro, “Inventário de Sombras” foi editado em 1997 e pode-se dizer que seguia a mesma linha. Não quero dizer com isso que o autor tornava-se repetitivo, pois cada volume trazia novos desdobramentos e explorava outros ângulos dos temas desenvolvidos. A solidão, o amor e a morte sempre foram assuntos recorrentes e perpassam toda a sua obra. Em 2006 surgia “A Sentinela em Fuga e Outras Ausências” e mesclava a produção atual com alguns poemas que tinham ficado para trás e que foram agora incluídos, “zerando” de uma certa forma a sua trajetória emocional, numa feliz combinação de densidade e conteúdo.
            Percebo algumas mudanças sutis em seu livro “Uma Escada que Deságua no Silêncio”. Parece-me que o autor foi mais evocativo e buscou resgatar algumas lembranças da infância e juventude que estavam guardadas na sua memória de poeta. Paralelamente a isso, seguiu como já vinha fazendo em seus trabalhos anteriores, em simultaneidades de aspectos interessantes e singulares. O que virá depois? Somente o tempo nos dirá, mas conversando com o próprio Milton Rezende num banco rústico de madeira ele me pareceu, não obstante uma certa desesperança e cansaço, cheio de planos e de projetos futuros. A ilusão é o que nos move, assim ele me dizia, sorrindo vagamente e com os olhos marejados.
            A vida nos prepara muitas ciladas e rupturas e o comportamento humano que eu venho observando em meu consultório médico constitui matéria inesgotável para os homens dotados de alma sensível e interpretativa, como é o caso dos escritores e poetas, contudo não deve ser fácil a tarefa de estar o tempo todo se confrontando consigo mesmo diante de um espelho perverso que reflete a humanidade em seus momentos de grandeza e terrível desajuste de uma espécie fadada ao aniquilamento, tal como se percebe claramente neste novo volume de poemas “O Jardim Simultâneo”.
            Creio que junto com o Milton possam existir mais uns três ou quatro no mesmo nível, dentro da atual literatura brasileira, e é muito bom saber isso: que existem pessoas decifrando o vazio e dando um significado maior às nossas existências, para além do que temos visto estampado como o resultado coletivo do que se tem produzido, e que é muito pouco se lembrarmos de toda a tradição humanista daqueles grandes autores do passado. Principalmente Fernando Pessoa, Drummond e Augusto dos Anjos. Contudo ninguém poderia olhar para nenhum deles sem se sentir feliz e ofuscado, pois eles são raros, rarefeitos e necessários. O desafio é seguir vivendo, olhando de soslaio.

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Carlos Águia é médico e professor aposentado. Fundador e único membro da Ideutopia, já desativada.