sábado, 2 de novembro de 2013

O VELÓRIO
“Dêem-me coroas de pano.
Dêem-me as flores de roxo pano,
Angustiosas flores de pano,
Enormes coroas maciças,
Como enormes salva-vidas,
Com fitas negras pendentes”
(Pedro Nava)

Eu estava dormindo quando o caixão chegou.
Acordei com luzes acesas, ruídos, vozes abafadas.
Levantei para ir ao banheiro e fui informado do velório.

A casa estava cheia de gente conhecida e estranhos.
Na sala o corpo já estava sendo velado e havia velas.
Um cheiro de morte impregnava o espaço intangível.

O defunto estava com as mãos cruzadas sobre o peito.
Flores cobriam todo seu corpo e o rosto estava lívido.
Os braços eram demasiados magros e cadavéricos.

Encostada numa parede jazia uma coroa roxa de latão
e a tampa enorme esperava o momento exato de cobrir
toda a vivência acumulada naquela vida que já não existia.

Nos próximos dias estávamos proibidos de ligar a televisão,
de ouvir música no velho rádio de madeira e a casa fechada.
Sobre o bolso da camisa foi costurada uma tarja de pano preto.

Milton Rezende, Uma Escada que Deságua no Silêncio, 2009.


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